terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Perguntas e Respostas com Luiz Amaral - Parte 03

A última parte dessa pequena entrevista trata da importância do Projeto das Gramáticas Pedagógicas para a própria comunidade e para o ensino e conservação das línguas minoritárias brasileiras.


Como esse projeto pode contribuir para o ensino e a manutenção de línguas indígenas?
O benefício direto do projeto é o de criar um material de descrição das línguas acessível aos professores e alunos indígenas. Porém, o projeto não se limita a produzir as gramáticas pedagógicas. No seu segundo ano estão previstas oficinas nas aldeias para facilitar a inserção da gramática no cotidiano das aulas de língua. Essas oficinas estão servindo como curtos programas de educação continuada, onde os professores aprendem a produzir planos de aula incluindo unidades da gramática, preparando também outras atividades que trabalhem as habilidades de expressão oral e escrita dos seus alunos. Além disso, alguns projetos estão incluindo discussões específicas sobre a elaboração de programas de língua. Por exemplo, nas oficinas wapichana os linguistas junto com os professores começaram a delinear esboços de programas de língua do sexto ao nono ano do ensino fundamental que incluam a gramática pedagógica junto com outros materiais de leitura e produção textual. Essa pode ser uma contribuição bastante significativa do projeto, uma vez que o levantamento sócio-linguístico-educacional feito por pesquisadores do ProDoclin mostrou que das escolas das cinco etnias que participam do projeto, em nenhuma delas existe um programa de ensino de língua materna no qual se especifique o que um aluno deve aprender durante os seus anos de estudo. Os currículos de língua indígena ou são completamente idiossincráticos, variando muitas vezes para cada professor, ou são simplesmente inexistentes.
Um outro possível futuro desdobramento da elaboração dessas gramáticas é o da melhoria na formação dos professores. Atualmente, os programas de formação de professores indígenas não incluem aulas específicas sobre as estruturas das línguas a serem ensinadas. Em suas grades curriculares existem no máximo cursos com algumas noções de linguística geral. Diferentemente dos professores de língua portuguesa ou estrangeira que estudam as gramáticas das línguas que irão ensinar durante quatro anos nos cursos de letras, um professor de língua indígena normalmente nunca faz um só curso sobre as estruturas fonológicas e morfossintáticas existentes na sua língua. Uma das razões para a falta de cursos de língua indígena adequados nos programas de formação é a falta de descrições linguísticas acessíveis aos professores. Por tanto, espera-se assim que as Gramáticas Pedagógicas do ProDoclin possam ter um impacto positivo também na preparação do corpo docente das escolas indígenas.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Perguntas e Respostas com Luiz Amaral - Parte 2

Agora que já entendemos o que é uma Gramática Pedagógica, levantamos a seguinte questão:


O que diferencia as gramáticas pedagógicas do ProDoclin?
         Diferentemente de outros materiais que descrevem as línguas indígenas com um foco na forma gramatical, as gramáticas pedagógicas do ProDoclin são desenvolvidas com base em teorias de aprendizado e aquisição de língua. O objetivo é criar um material adequado ao aluno indígena, levando em consideração sua língua nativa e seu processo de aprendizagem.
No contexto de línguas indígenas, por exemplo, muitas vezes encontramos materiais chamados de “pedagógicos” escritos totalmente em português, apenas apresentando os exemplos na língua indígena. Didaticamente isso não faz nenhum sentido. Nenhum falante de português no Brasil aceitaria que seu filho tivesse aulas de língua portuguesa usando um livro escrito em alemão com apenas os exemplos em português. Por que seria diferente com o ensino de línguas indígenas? A abordagem usada nas gramáticas pedagógicas do ProDoclin não somente segue teorias atuais de aprendizagem como também se adequa às diretrizes do Ministério da Educação para o ensino de língua materna nas escolas. Sabemos que no ensino de língua a “decoreba” de conceitos gramaticais não tem nenhum valor pedagógico. Por isso o MEC faz recomendações explícitas sobre a necessidade de se estudar a língua com foco no seu uso, visando melhorar as habilidades de comunicação e expressão dos alunos. Por serem gramáticas de uso, as gramáticas pedagógicas do ProDoclin apresentam as formas linguísticas em situações cotidianas enfatizando a conexão entre a língua falada nas aldeias e as formas gramaticais existentes.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Perguntas e Respostas com Luiz Amaral - Parte 01

O que é uma Gramática Pedagógica? Como é feita? Para que serve?
Tentando obter respostas claras sobre o assunto, o coordenador e consultor geral das GPs respondeu algumas perguntas sobre esse tema.

Perguntas e Respostas - Parte 01
Por: Luiz Amaral
(Consultor Geral do Projeto)

Por que um projeto como este é necessário?
            Os trabalhos de documentação e descrição de línguas indígenas no Brasil têm produzido conhecimentos inestimáveis sobre as estruturas linguísticas das línguas nativas brasileiras. Contudo, esses trabalhos de natureza científica não são concebidos como materiais ao alcance do uso por professores e alunos de escolas indígenas. O Projeto de Gramáticas Pedagógicas de Línguas Indígenas do ProDoclin parte do conhecimento linguístico de trabalhos acadêmicos para desenvolver materiais descritivos sobre as línguas indígenas que possam ser facilmente usados por professores e alunos nas escolas das aldeias.  Dessa forma, o projeto vai além da documentação e descrição, contribuindo diretamente para a manutenção e revitalização dessas línguas minoritárias. Além de fazer uma ponte entre o conhecimento científico e a prática em sala de aula, o projeto também responde a uma demanda constante das comunidades para a produção de materiais didáticos em suas línguas. 

Como é feita uma gramática pedagógica em língua indígena?
            A descrição científica de uma língua usa um conjunto de teorias para representar as formas linguísticas que fazem parte de uma gramática descritiva. Em contrapartida, as gramáticas pedagógicas do ProDoclin apresentam as estruturas linguísticas através de situações de uso cotidiano. Essa metodologia para elaborar “gramáticas de uso” foi desenvolvida há várias décadas para o ensino de línguas indo-europeias e gerou modelos consagrados como o da “English Grammar in Use” (Cambridge University Press).  Para o ProDoclin, adaptamos a metodologia de criação de “gramáticas de uso da língua” à realidade de cada uma das comunidades. Durante as oficinas nas aldeias, os próprios professores indígenas criam as situações na qual as estruturas gramaticais são empregadas e os linguistas os auxiliam na preparação de explicações e exercícios. Dessa forma, esse material possibilita que o aluno aprenda a língua através de narrativas, diálogos e músicas. As ilustrações das situações também são feitas por desenhistas das próprias comunidades.

Na próxima semana veremos a parte 02 das perguntas e respostas!